Caraíva

A vila conserva rusticidade e ares sossegados que cativam rapidamente quem faz a travessia de canoa para desembarcar ali. Localizada numa pequena península no encontro do Rio Caraíva com o mar, ela se organiza por quarteirões extensos de areia fofa (não há asfalto nem terra, somente areia), casinhas multicoloridas e esquinas adornadas pelas pinturas da artista Duca, também dona de um conhecido restaurante vegetariano, um dos grandes ícones locais. Tudo isso para além de mangueiras, amendoeiras e jambeiros que produzem boas sombras o ano todo.

O adorável conjunto de lojinhas, restaurantes e bares enche e desenche ao longo das temporadas, que por muito tempo acabaram ditando o movimento. Caraíva já não é mais como há cerca de 10 anos, quando era iluminada sob lamparinas, “famosa por não ter luz elétrica”. Hoje, faça chuva ou sol, há visitas diárias. Mas não se engane: o tal clima de paz e sossego, principal chamariz local, ainda impera com destaque. Tanto que a vila não para de colecionar histórias de quem foi e não voltou. O celular não pega em muitos cantos e os carros seguem sendo proibidos — o transporte ali ainda é como antigamente, de charrete (ou de canoa, é claro). A população de pouco mais de mil pessoas une os moradores com a comunidade indígena Pataxó, que influencia diretamente nas tradições, na gastronomia e no artesanato local. Por fim, a viagem se dá entre a praia de águas densas, o famoso pôr do sol no rio e as agitadas (e muito celebradas) noites de forró.

O vilarejo mais antigo do Brasil

Segundo uma documentação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), disponível no Museu do Descobrimento, em Porto Seguro, a comunidade de Caraíva é o vilarejo mais antigo do país. A vila, que por centenas de anos viveu exclusivamente da pesca, passou a encantar os viajantes mais aventureiros somente nos anos 1970: a maneira mais fácil de chegar até lá era caminhando desde a praia de Trancoso. Na mesma década chegaram os primeiros motores para os barcos, que até então eram movido por velas. Com o tempo, a pequena Caraíva foi se adaptando para receber mais visitantes, mas sempre manteve sua atmosfera rústica. A energia elétrica só foi chegar em 2007.

Onde o rio doce encontra o mar

A praia principal, chamada Praia de Caraíva, tem cerca de 2 km de areia fofa, águas claras e entornos verdejantes, o que garante o clima de sossego mesmo para quem já sabe que está na faixa mais tradicional dali. Muitos dizem que nesta praia estão os melhores pontos para quem quiser relaxar de verdade, estender a canga e ler um bom livro, ou somente para se lembrar de como o tempo ainda pode passar devagar.

Na Praia da Barra, ou onde o rio encontra o mar, as árvores fazem boas sombras e as canoas agitam as águas, que aqui são especialmente mais turvas. Algumas cabanas vendem comidas, mas a maioria delas oferece apenas lanches rápidos, como sucos, tapiocas e empanadas, para quem vier passar o dia.

Atravessando o rio de canoa e, na sequência, caminhando por cerca de quarenta minutos, você alcança a Praia do Satu, onde estão duas lagoas. Logo você vai chegar às falésias e, por fim, ao pé de um mirante — do alto, o visual é ainda mais impressionante. Segundo moradores, Satu era um senhor da região que “tinha boas histórias e muita alegria em receber os turistas”.

A Praia do Satu também funciona como um ponto de apoio estratégico para a caminhada de 9 km até a Praia do Espelho, que, assim como as vizinhas Trancoso e Arraial, pode ser acessada diretamente de Caraíva. De bugue, barco ou até mesmo a pé, dá para se aventurar mais ao Sul, ou exatamente até a Ponta do Corumbau, a cerca de 13 km, onde a maré baixa se transforma em uma piscina natural translúcida. Uma vez ali, atente-se para a formação de uma “ponta” de areia, a mesma que dá nome à praia — mas será preciso ir até lá para entender o que é caminhar (literalmente) para “dentro” do mar.

Se a sua praia também for de água doce, você está no lugar certo: um dos passeios mais procurados da vila é o boia-cross no Rio Caraíva, onde você desce a correnteza sem fazer esforço algum e vai, aos poucos, observando a natureza com toda a calma que ela merece: do rio ao mar, das matas aos manguezais.

Por fim, no caminho até Trancoso está a charmosa Itaporanga, um pequeno vilarejo expoente em artesanato com diversas lojas de utensílios de cozinha e artigos de decoração. Uma excelente parada para quem quiser fazer boas compras antes de voltar para casa.

Cultura Pataxó

Para conhecer mais sobre a comunidade indígena Pataxó, faça um passeio pelas aldeias Porto do Boi ou Barra Velha. A última, também conhecida como “Aldeia Mãe”, abriga cerca de 700 famílias que povoam oito mil dos mais de 22 mil hectares de terra do famoso Parque Nacional do Monte Pascoal, que fica bem aos pés de Caraíva.

O artesanato pataxó não é só apenas uma importante fonte de renda para os índios, como também uma emblemática representação de sua cultura. São cocares, faixas de cabelo, colares, pulseiras, tornozeleiras, gamelas, colheres e outros objetos feitos com penas de aves, madeira, fibras e sementes. O paraju, uma madeira de cor vermelha escura, é utilizado especialmente para os utensílios domésticos, enquanto a maioria dos adornos é feita com sementes de jacarandá, jacanaíba e maçaranduba. Para os índios, o uso de materiais orgânicos nutre e fortalece a conexão com a natureza.

Ela é do forró

E se durante o dia a vila é tão tranquila, à noite ela é um espetáculo à parte: o arrasta-pé dita os acordes noturnos com uma programação comandada por casas que se dedicam quase que inteiramente ao forró pé-de-serra. Seja por meio de um som mecânico ou de uma banda ao vivo, a figura do sanfoneiro sempre se faz presente: se não é de corpo, é de alma. Caraíva é do forró, e o forró é, de fato, um de seus patrimônios.

Antes de se render aos embalos das noites, faça uma parada no Beco da Lua, um lugar charmoso que reúne barraquinhas de comidas típicas e boas cartas de drinques.


Como Chegar

– Caraíva está a 120 km (ou duas horas) do aeroporto de Porto Seguro. Os últimos 40 km são de terra. Quem vem de carro precisa deixá-lo em um estacionamento “do lado de lá do rio”, onde estão as canoas que fazem a travessia até a vila. O mesmo trajeto também pode ser feito de táxi;

– Do aeroporto de Porto Seguro ou até mesmo de Trancoso é possível fazer a viagem de transfers conduzidos por empresas privadas;

– Outra opção é ir de táxi de Porto Seguro até a balsa de Arraial, e, após atravessá-la, pegar um dos ônibus diários com destino a Caraíva, parando em Trancoso no caminho.